segunda-feira, maio 21, 2007

A improvisação (continuação)

“ ils improvisent…improvisez…improvisons…”

O artigo “ ils improvisent…improvisez…improvisons…” de Vinko Globokar editado na revista “musique en jeu” fala sobre vários aspectos a ter em conta na música improvisada.

O autor divide o artigo em quatro partes: Aleatório e Improvisação, O Papel do Compositor, A Utilização de Instrumentos e Música Improvisada e Música Contemporânea

Aleatório e Improvisação

O intérprete tem uma parte de responsabilidade cada vez mais importante na composição; vai lendo as indicações do compositor – música baseada em símbolos, de reacções psicológicas ou textos verbais – o que leva frequentemente à improvisação. Trata-se de uma improvisação controlada pelo compositor onde o intérprete não faz mais do que executar uma tarefa.

As razões pelas quais, um músico quer improvisar prendem-se com a necessidade de libertação, procura de uma nova estética musical, provocação, desejo de trabalhar colectivamente, pesquisa instrumental, compromisso político ou social, desejo de pertencer a uma elite capaz de improvisar, uma forma de enriquecimento pessoal, uma forma de expressão não só através de sons mas também pelo comportamento psíquico, necessidade de criar um contacto com o público, desejo de dar largas à imaginação.

As explicações, relativas a este assunto pelas pessoas que improvisam, são subjectivas e emocionais; preferimos falar de sensações e não de razões.
Com o decorrer dos anos, formaram-se alguns grupos de improvisação cuja postura demonstrou algumas tendências claras e definidas.
Vinko Globokar distingue o grupo cujos objectivos são políticos e sociais, pois inclui e aceita a participação do público sem qualquer restrição. Não há regras e o grupo sabe porque toca, ou pelo menos sabe porque quer tocar. O segundo grupo organiza reuniões, em que cada um leva os seus instrumentos ou objectos; decide-se um tema ou história e improvisa-se sobre isso. O resultado sonoro difere nos dois grupos, para o primeiro grupo é secundário enquanto para o segundo, o controlo do resultado sonoro é o principal objectivo.

O Papel do Compositor

Na música improvisada, na maioria dos casos, é em volta do compositor que se forma o grupo de improvisação. O compositor tem o papel de organizar grupos de improvisação que possam transformar a sua obra. Os meios que utiliza para canalizar a improvisação, são na maior parte das vezes através de indicações verbais ou desenhos, e raramente notação musical. O próprio compositor ou o grupo podem programar uma forma, deixando a criação do material sonoro aos participantes. Estes, por sua vez, preenchem o tempo com sons inventados. “Il se produit pourtant un phénomène négatif:” os executantes são incapazes de inventar realmente quando se pede que improvisem num quadro mais ou menos limitado. Mesmo as pessoas dotadas de um grande poder de invenção não fazem mais do que utilizar o seu reportório de hábitos instrumentais, de clichés pessoais, de estruturas memorizadas.
Com um tempo de reflexão ilimitado, o acto de inventar é sobretudo um trabalho racional, onde se elimina as ideias mais superficiais; no acto de improvisar, o tempo de reflexão reduz – se ao mínimo, sendo a invenção mais instintiva e intuitiva, e não racional.
“D`autre part, la question : « à qui appartient cette musique où le compositeur projette l`idée générale, mais où les exécutants doivent improviser le détail ?»”

Quando o executante decide juntar-se a um grupo para comunicar, deixa de ser completamente livre, pois vai estar intimamente ligado aos outros executantes, o que implica muita tolerância e compreensão entre eles. “La tolérance n`est pas une position contemplative, dispensant les indulgences à ce qui fut ou ce qui est. C`est une attitude dynamique, qui consiste à prévoir, à comprendre et à promouvoir ce qui veut être”(Claude Lévi-Strauss).
O improvisador pode associar-se a uma preposição que acha interessante; destruir uma situação se a achar banal ou repisada; imitar; opor ou propor uma nova ideia, que será aceite, destruída, desenvolvida ou recusada pelos outros.
Para que o trabalho resulte tem que haver uma profunda amizade, respeito mútuo, discussão aberta dos problemas não somente musicais, mas sobretudo humanos, que os preocupam.

A Utilização de Instrumentos


Podemos imaginar facilmente que um conhecimento aprofundado do instrumento é necessário, mas só por si não chega. Os problemas que aparecem são sobretudo de ordem «composicional». O intérprete toca uma música que ainda não existe e quando ganha algumas experiências, aprende a reagir, a inventar, a tomar a iniciativa, a deixar-se influenciar e a tomar a responsabilidade total de tudo o que produz.
Transforma o seu instrumento, inventa novos timbres e articulações que fazem lembrar outros instrumentos.

Música Improvisada e Música Contemporânea

As diferenças entre a música improvisada e a música contemporânea são sobretudo em relação à forma. Sendo a música contemporânea um produto intelectual e a música improvisada impossível de ser exactamente consciente com passagens entre acção/reacção, simples/complexo, tensão/distensão a desenvolverem-se progressivamente e não de maneira abrupta, a forma da improvisação livre acaba por ser simples.
Através deste tipo de música, o homem faz um apelo intenso a todas as suas faculdades, não só musicais, mas sobretudo psicológicas.

Conclusão

Há culturas, como a Índia do Norte e o Irão, onde não há separação entre o músico executante e o improvisador: todo músico improvisa – seja sobre regras estritamente determinadas, seja como parte de um ritual de meditação.
Improvisar é inventar, e está sujeito aos riscos de qualquer invenção.
" Quando se assume qualquer possibilidade humana de ser e fazer, necessariamente assume-se um risco. [...] Fora do risco não há criação artística, científica, criação de espécie alguma. Faz parte de todo o movimento criador o risco de não ser, de se distorcer no meio do caminho.” (Paulo Freire)

Evitar o risco é resignar-se a repetir o que já foi feito, é conformar-se com a impossibilidade de romper horizontes.

1 comentário:

Manuela Cunha disse...

"Transforma o seu instrumento, inventa novos timbres e articulações que fazem lembrar outros instrumentos"
:) :)
De facto, nos últimos anos nem eu própria reconheço o meu clarinete, anda estranho, com um som esquisito,não é o mesmo de há uns anos atrás e insiste a assemelhar-se a uma "charamela". Talvez ande com alguma crise de identidade e a pensar que gostava de ser um fagote.
:) E dizem voçês: É falta de estudo, isso sim!!!